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O PRIMEIRO CICLO SISTÊMICO DE ACUMULAÇÃO: O CAPITALISMO GENOVÊS

Foto tirada nos dias de hoje de uma praia na cidade italiana de Gênova.

O PRIMEIRO CICLO SISTÊMICO DE ACUMULAÇÃO: O CAPITALISMO GENOVÊS

Por Marcos Faber

O capitalismo financeiro genovês desenvolveu-se (século XIV) sob o impacto das mesmas circunstâncias sistêmicas do capitalismo financeiro de outras cidades-Estados italianas - especialmente Milão, Florença e Veneza. À medida que se intensificavam as pressões competitivas e que houve uma escalada na luta pelo poder, o capital excedente, que já encontrava investimentos lucrativos no comércio, foi mantido em estado de liquidez e usado para financiar a crescente dívida pública das cidades-Estados, cujo patrimônio e receita futura foram mais completamente alienados do que nunca a suas respectivas classes capitalistas.


Com a fundação da Casa di San Giorgio em 1407, em Gênova, criou-se uma instituição de controle das finanças públicas por credores privados, ocorrendo 3 séculos antes do Banco da Inglaterra. As raízes da excepcionalidade genovesa estavam em suas origens aristocráticas de seu capitalismo e na precocidade com que a Gênova havia anexado a região rural circundante. Em Gênova a relocação do capital excedente do comércio de longa distância para os investimentos na posse de terras e na gestão do Estado ocorreu de um modo diferente de suas concorrentes Veneza e Florença. A transferência em Gênova foi promovida e organizada por uma aristocracia rural revigorada pela expansão comercial anterior, como um meio de reafirmar em maior escala seu controle monopolístico. Longe de beneficiar as classes mercantis urbanas, essa relocação criou uma barreira social insuperável para a expansão interna de sua riqueza e poder.


O governo genovês se mostrou incapaz de resolver os problemas da cidade-Estado, porém resolveu os problemas financeiros da cidade. Se a ideologia da “moeda forte” tomou força na Inglaterra do século XIX e nos círculos acadêmicos dos EUA, sua prática floresceu em Gênova.


Localização da cidade italiana de Gênova.

A ideia de uma “moeda forte” era essencial ao processo de acumulação de capital. Tanto o governo como empresas comerciais precisavam de um padrão monetário sólido e confiável, pelo qual pudessem medir os seus lucros e os seus prejuízos nas operações comerciais e financeiras.


Na década de 1450, a “moeda boa” tornou-se o padrão monetário da contabilidade comercial genovesa, não só para o câmbio de moedas mas para todas as transações, enquanto a “moeda corrente”, de valor variado, continuou a ser o meio de troca padronizado. Essa reforma monetária deu novo impulso ao contínuo florescimento dos instrumentos e técnicas monetárias genovesas.


As grandes fortunas genovesas tinham origem na competitividade das rotas comerciais centro-asiáticas para a China e no sucesso com que a iniciativa genovesa conseguira estabelecer um controle quase monopolístico do “terminal” dessa rota, no Mar Negro, o comércio genovês prosperou e suas empresas aumentaram de escala, âmbito e número. Mas a sorte mudou com o declínio destas rotas. A reação genovesa foi buscar um controle ainda mais rígido dos outros ramos do comércio que se vinham desenvolvendo na região do Mar Negro (cereais, madeira, peles e escravos). Porém com o avanço dos turcos e com a concorrência catalão-aragonês no nordeste Mediterrâneo, o comércio genovês foi atingido pelo declínio com o comércio eurasiano.


As tendências e acontecimentos foram profundamente influenciados por essa compressão das redes genovesas de comércio de longa distância e pela deterioração concomitante da situação de poder da cidade na economia mundial mediterrânea e no sistema de cidades-Estados italianas.


A classe capitalista genovesa do século XV fora apanhada num impasse fundamental. A perda das oportunidades comerciais de longa distância das épocas anteriores levou a lutas competitivas internas e rixas intermináveis, que destruíram os lucros, e ao declínio das redes e recursos não utilizados ou inutilizáveis, espalhados por toda a economia mundial. A saída óbvia desse impasse era estabelecer uma relação de intercâmbio político com governantes territoriais, como os ibéricos, que eram impelidos a abrir novos espaços comerciais por motivos diferentes do lucro calculável, e que, além disso, tinham tamanha necessidade do tipo de serviços que a classe capitalista genovesa estava mais apta a oferecer, que a deixaram livre para organizar seu tráfego de moedas e mercadorias como lhe aprouvesse. Os financistas genoveses que criaram, administraram e lucraram com o elo sistêmico entre o poder ibérico e o dinheiro italiano foram afetados por toda uma série de crises, todas as quais tiveram origem na Espanha. Com isso o domínio genovês sobre as altas finanças europeias acabaram declinando e, por fim, cessou por completo. Mas os frutos deste domínio permaneceram intactos e, mais de 2 séculos depois, encontraram um novo campo de investimentos na unificação política e econômica da Itália, que teve entre seus principais financiadores o governo genovês. A expansão financeira genovesa constituiu no ponto mais alto de um padrão de acumulação de capital de âmbito sistêmico de ação e estruturas homogêneas. Esse padrão é o que chamamos pr “ciclo sistêmico de acumulação”, originalmente criado pela classe capitalista genovesa e que se repetiu com os holandeses, ingleses e norte-americanos.


RESENHAARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX. São Paulo: Contraponto/UNESP, 2006.


Referências Bibliográficas

ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1985.

ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX. São Paulo: Contraponto/UNESP, 2006.


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